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SEJA FEITA A NOSSA VONTADE

A vontade da pessoa e a sua livre manifestação são muito caras ao Direito, enquanto ciência que disciplina a convivência humana.

Há no ordenamento jurídico princípios e instrumentos visando garantir a vontade expressa pela pessoa, de sorte a fazer com que, uma vez exteriorizada livremente, seja ela respeitada e cumprida tanto quanto possível.

A construção da vontade ocorre, como se sabe, nas instâncias íntimas e subjetivas da pessoa, tramada por seus desejos e valores e que se materializam em um instrumento jurídico – que aqui chamo de “instrumento-veículo” – responsável por transportar a vontade nele manifestada, dirigida à terceira pessoa.

Em síntese, preocupa-se o Direito que seja uma vontade espontânea e livre, tanto quanto possível, de quaisquer perturbações e induzimentos.

Relembrar a existência de certos instrumentos-veículos dispostos em lei e colocá-los em evidência nesses difíceis dias de isolamento social, durante os quais reflexões sobre assuntos mais íntimos e pessoais tomam nossas mentes é o que pretendo.

Como dito, a vontade é tema sensível ao Direito. Fazer valer nossos intentos mais ou menos profundos pode ser um modo de reafirmar algo de essencial em nós. Algo de vida em nós, em tempos de incertezas.

Como exemplos, podemos pensar em (i) doação e (ii) testamento, ambos, como sendo instrumentos-veículos da vontade de quem deseja endereçar algo a alguém.

Instrumentos do chamado “planejamento sucessório”, servem para se destinar bens a herdeiros, sejam eles filhos, netos, cônjuge ou companheiro e estão previstos no Código Civil. Um para valer no presente (a doação) e outro para o futuro (o testamento). Enfim, são meios de “planejamento da vontade”.

Há, na mesma linha, o (i) pacto-antenupcial, para quem optar pelo casamento civil e o (ii) “contrato de convivência” para os que vivem ou passarão a viver em união estável. São eles, meios legais de regulamentar aspectos pessoais e patrimoniais em âmbito das relações afetivas, a elas conferindo certo grau de segurança jurídica.

De se mencionar, ainda, o “contrato de namoro” que vem, dia a dia, se difundindo, e visa o ajuste de intenções para aqueles que não querem viver como uma família, com os seus reflexos jurídicos – regime de bens e herança, por exemplo – e buscam, ainda assim, certa dose de segurança jurídica, podendo reafirmar por meio dele as suas vontades lícitas, evitando mal-entendidos, em caso de rompimento.

Visto, então, que viver em sociedade, conviver em família e afetivamente se relacionar sugere, sim, expressar a vontade livre e justa, por meio de tais instrumentos-veículos, prevenindo, dentro do possível, as consequências indesejáveis não raramente vistas em partilhas de divórcios e inventários conflituosos e intermináveis, que bem poderiam ter sido evitadas.

Em tempos de fake news e de deturpações da realidade, deixar registradas nossas mais caras vontades não parece má ideia. Convocar a família – o(s) filho(s), o cônjuge, o companheiro – ou mesmo o(a) namorado(a) é também sinal de afeto, além de expressão de cuidado consigo mesmo.

Por fim, um pequeno relato. Um general do exército de Napoleão Bonaparte, cujos anos já lhe avançavam, caminhando em companhia do jardineiro que cuidava de sua propriedade perguntou-lhe sobre uma determinada espécie de árvore que ali não via plantada, ao que foi respondido: “mas, senhor, essa espécie leva muitos anos para começar a florescer! Rebateu o general: “então, o que está esperando para começar a plantar?!”

Fábio Botelho Egas Teixeira de Andrade é advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, planejamento sucessório e mediador interdisciplinar.

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