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FIQUE EM CASA

“Libertar o indivíduo do medo a fim de que ele viva, tanto quanto possível, em segurança, isto é, a fim de que mantenha da melhor maneira, sem prejuízo para si ou para outros, o seu direito natural a existir e a agir.” (B. Spinoza).

A casa é para o Direito um lugar inviolável por excelência.

Abrigo natural da pessoa, a casa é protegida pela Constituição Federal, por diversas leis vigentes e por toda uma construção jurídica edificada ao longo dos tempos.

Está na casa o sentido universal de proteção do indivíduo contra as ameaças externas. Sob seu teto é que se realiza a privacidade e a intimidade, em seus aspectos variados, nela se formam e se vivenciam os vínculos familiares formadores da personalidade humana, sendo a casa o palco primeiro em que se vai ensaiar a arte do viver para quando, um dia, as cortinas se abrirem para o mundo lá fora.

Já cantou o poeta, contudo, que “são demais os perigos dessa vida”!

Pois bem. O que dizer, então, quando os perigos veem de dentro de casa? Quando a origem do risco é doméstica? Sim, quando brota neste lugar cuja função primordial seria a de acolher e proteger?!

A gravidade da violência familiar é mesmo espantosa. Ela ocorre e vem de um lugar que, a princípio, seria e é bastante inesperado, numa verdadeira operação de sinais trocados – aonde se espera a soma, surge a brutal subtração! O que fazer diante disto?

Sistema de equilíbrios de poderes, o Direito, enquanto ciência humana e social, representa, dentre outras coisas, uma ferramenta civilizatória que mira impedir o uso desmedido das forças geradoras de desigualdades, oferecendo alternativas às pessoas postas em situação de violência, seja ela física, psíquica, sexual, moral ou mesmo patrimonial.

Equilibrar a dinâmica dos poderes, visando impedir que se espraie o desejo egoísta e ilimitado, em franco abuso e em desavergonhada invasão da órbita de direitos alheios, implica reconhecer que, sim, há desigualdades encerradas em cada ser humano e que muitas vezes são covardemente usurpadas

e exploradas, e delas aproveitadas no âmbito do convívio social e familiar, com o fim de se obter quaisquer tipos de vantagens.

Agir nas fendas dessas desigualdades, aonde se instalam as vulnerabilidades mais reconhecidas das pessoas é uma das funções do Direito, que se opera por meio da tutela das pessoas em tais condições de fragilidade.

Reconhecidamente, as crianças, os adolescentes, as mulheres e os idosos se encontram em tais posições, sendo alvos fáceis de ataques e abusos, merecendo especial atenção dos operadores jurídicos, de sorte a prover as ferramentas e os meios mais eficazes possíveis, tanto os preventivos, quanto os reparadores.

Estando na ordem do dia, os atos de violência doméstica e a necessidade de sua denúncia ganharam especial atenção nesses tempos de confinamento e isolamento social impostos pela pandemia do Covid-19. E, de fato, chamar e atenção da sociedade para o triste fenômeno social que agora ganha contornos dramáticos em vista da crise de saúde, desdobrada em crise econômica, é de vital importância, uma vez se tratar aqui do direito à vida, à liberdade e à integridade psicofísica das pessoas.

O poder – seus abusos e desvios – sempre foi e sempre será tema central do Direito. Esta ciência humana e social amolda-se aos tempos e busca se ajustar às necessidades da hora, de sorte a buscar conter, de alguma forma, os instintos mais primitivos do homem, tão sobressaltados em momentos de tensões experimentadas no convívio social.

As violências e os abusos de poder ocorridos nas relações familiares e domésticas acontecem sob diversas formas e nos pontos de contato entre as pessoas, sejam elas cônjuges, companheiros, pais, filhos, enteados e avós.

Diversas as razões e os motivos, mas, o denominador comum, como dito antes, é o abuso da força contra o mais vulnerável, seja ele físico, psíquico, sexual moral ou mesmo poder econômico, este último em covarde e frequente uso oportunista da dependência econômica existente. Sem se falar do abuso de confiança que paira tais covardias, eis que praticadas em razão da intimidade e proximidade dos envolvidos.

A tomada de consciência de qualquer direito individual é por onde se pode começar. Informar e esclarecer, em escala social, os direitos dos vulneráveis e o sistema legal de sua proteção é mesmo urgente, além de ser uma tarefa cidadã a ser repetida diariamente, já que a cada amanhecer renova-se o ímpeto de violentar.

Momento seguinte é o de agir, provocando o poder público – Poder Judiciário – enquanto guardião último e aplicador da lei, a fim de que interdite o ato violento, abusivo e entregue a proteção estatal necessária à pessoa posta em risco.

Diz a lei que nenhuma violação ou ameaça a direitos individuais deixará de ser conhecida e apreciada pelo Poder Judiciário que, uma vez devidamente provocado pelo ofendido, este terá acesso à Justiça, como um direito fundamental e garantido pela Constituição Federal.

Alguns são os meios de provocar a Justiça para as hipóteses aqui cuidadas, destacando-se, em síntese: (i) lei “Maria da Penha”, (ii) separação de corpos compulsória, (iii) guarda de menor e/ou adolescente sob risco, (iv) proteção de idoso vulnerável e de pessoas com deficiência, (v) bloqueio judicial de bens, valores, ativos empresariais e societários, exemplificando.

Cada uma das ferramentas acima apontadas cuida de proteger a integridade da pessoa, sob determinado aspecto. Porém, todas elas destinadas à prontamente atender e a tutelar direitos ameaçados ou violentados, devendo delas se utilizar a cada ato de violência sofrido ou mesmo que se avizinha, mesmo diante de todo o medo e de toda angústia que em tais momentos se fazem tão presentes, mas, que não poderão paralisar a ação em busca do reconhecimento de direitos superiores e do impedimento da propagação da violência e do abuso.

Enfim, dias tensos para a humanidade, a convocar, uma vez mais na história, o homem do Direito, enquanto portador da lei e militante da igualdade que, como reconheceu Michel Foucault, na aurora civilizatória, tomou para si o papel de protagonizar a busca por “aquilo que é justo.”

Em companhia de seus direitos, fique bem, fique em casa!

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